Gustavo Bernardo
Gustavo Bernardo é Doutor em Literatura Comparada, Professor Associado de Teoria da Literatura no Instituto de Letras da UERJ e pesquisador do CNPq. Publicou até hoje vários ensaios, entre eles A Educação pelo Argumento e O Livro da Metaficção, além de outros tantos romances, entre eles A filha do escritor e Monte Verità. Acaba de publicar, pela editora Rocco, o livro Conversas com um professor de literatura, contendo 50 crônicas publicadas nesta Revista Eletrônica do Vestibular da UERJ.
A leitura deve ser obrigatória?
Ano 4, n. 12, 2011
A
importância da leitura parece incontestável. Ziraldo costuma repetir
que ler é melhor do que estudar. Como professor, concordo com ele.
Estudar muito não leva necessariamente ao hábito da leitura, e pior, não
leva necessariamente a bons resultados nas provas e nos concursos. Em
contrapartida, o hábito da leitura ajuda muito tanto a estudar quanto a
ter bom desempenho nos testes de avaliação, justo porque grande parte
desse desempenho depende de saber ler os textos e os enunciados das
questões.
Estudar muito, de maneira
mecânica e acrítica, na melhor das hipóteses prepara o aluno para a
própria escola, deixando-o despreparado para a vida e para o trabalho
fora da escola. Quem lê bastante, no entanto, escolhe suas leituras e
assim aprende tanto a escolher quanto a pensar, habilitando-se a
resolver qualquer problema que a vida ponha na sua frente, quer na
escola quer fora da escola.
Quem lê muito não costuma
discriminar gêneros, “traçando” desde bula de remédio até poesia e
romance, sem deixar de passar pelas histórias em quadrinhos e pelas
notícias de jornal. A leitura de textos literários mostra-se
especialmente refinada, porque sempre leva o leitor a acompanhar os
acontecimentos narrados por outra perspectiva que não a sua: ou a do
narrador ou a do protagonista. A habilidade de ver as coisas por uma
perspectiva diferente da sua é fundamental para resolver quaisquer
dilemas que se apresentem em casa, na sala de aula, na rua, no
laboratório, no escritório ou no palácio do governo. Essa habilidade se
aprende e se estimula com a leitura de ficção.
Estas considerações podem
levar o leitor mais apressado a concluir que a leitura na escola deve
ser totalmente livre e voluntária. Como já chamei esse leitor de
“apressado”, os demais, bons leitores, perceberam que não concordo com a
conclusão. Nos anos 70 do século passado, defendeu-se a leitura por
prazer: os alunos só deveriam ler o que gostassem. Hoje em dia, para
tantos adolescentes isso significaria ler apenas mensagens de twitter.
Na verdade, a escola deve sim encontrar várias formas de promover o
hábito da leitura, mas sem abdicar de indicar regularmente algumas
leituras obrigatórias.
A oposição “prazer X
obrigação” é improdutiva. Primeiro, porque a escola não é um lugar
natural de prazer; não há como a escola competir com a praia, por
exemplo. Convenhamos, a praia é bem mais agradável. Segundo, porque a
liberdade absoluta não leva ao prazer, mas sim à inércia, ou pior, ao
terror. Como disse um escritor, “todo prazer viceja à sombra da dor”,
vale reconhecer, da luta, da dificuldade, da superação, da conquista.
Terceiro, porque o professor deve ele mesmo conquistar o aluno para o
livro, o que não fará se deixá-lo à mercê da própria vontade. O
professor conquista o aluno quando o provoca, quando o desafia,
principalmente quando não se demite do seu lugar de professor.
Logo escuto a
contestação: mas muitas aulas de literatura fazem com que o aluno passe a
detestar literatura! Admito. Entretanto, isso acontece não porque as
leituras que o professor passe sejam obrigatórias, e sim porque o
próprio professor não transmite o mínimo entusiasmo com os livros
indicados, em alguns casos extremos nem leu o que indicou. O único
método de educação que presta, já escrevi isto um milhão de vezes, é o
do exemplo. Só ensina a ler quem lê muito e mostra que lê muito.
O professor que manda ler
mas ele mesmo não lê há muito tempo ensina tão somente o seu próprio
desapreço pela leitura. O professor que manda ler textos literários mas
só admite a sua própria leitura e interpretação ainda não entendeu que a
literatura é por definição plurissignificativa, admitindo múltiplas
perspectivas. O professor que é também um leitor entusiasmado estimula
no aluno a reflexão e o questionamento sobre o que lê, ou seja, estimula
no aluno o refinamento da sua própria perspectiva.
Não é obrigatório que o
aluno ao final goste da leitura obrigatória, mas sim que goste da
reflexão, da discussão, do debate, da provocação. Um dos melhores
elogios que recebi foi quando, décadas atrás, adotei "Lucíola" no ensino
médio e um aluno me disse depois que continuava “odiando” José de
Alencar mas tinha “adorado” as aulas, justamente por causa das
discussões.
Em resumo: a leitura
obrigatória é obrigatória sim, desde que o professor mostre seu
entusiasmo com as leituras que indica. A leitura literária deve ser
tratada como tal, explorando sempre sua capacidade de nos permitir ver
pela perspectiva do outro. A leitura obrigatória deve ser acompanhada de
outras formas de estímulo à leitura, a serem inventadas pelo professor e
pelos alunos.
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